21 de mai. de 2025
A Bienal das Amazônias desembarcou em Boa Vista, capital de Roraima, com o projeto de itinerância para realizar obras públicas em espaços urbanos como universidades, praças e terminais de ônibus. Quatro artistas estão realizando na cidade trabalhos inspirados no conceito de ancestralidade e nos saberes da floresta.
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O artista indígena macuxi DoneS’Aunuru apresenta a obra “Cores de sangue e terra: Ancestralidade em camadas”. O trabalho foi instalado na Casa da Mulher Brasileira, localizada na rua Uraricoera, S/N, em São Vicente. São pinturas que tratam da ancestralidade feminina como presença contínua, força e gesto de gratidão que ancora o futuro nas raízes da terra.
Neste trabalho, DoneS’Aunuru utiliza pigmentos naturais (jenipapo, urucum e argila) e tintas acrílicas em tecido para mostrar os ciclos da vida. “As cores utilizadas na obra refletem essa fusão de saberes e tempos: o vermelho do urucum, o azul escuro do jenipapo e as tonalidades vibrantes das tintas acrílicas criam uma linguagem visual que transita entre o ancestral e o contemporâneo. A presença das tintas naturais reafirma os vínculos com a terra, enquanto a tinta acrílica incorpora o urbano e as reexistências cotidianas”, afirma DoneS.
Segundo o artista macuxi, “Cores de sangue e terra” é uma obra em camadas vivas, feita de memória, corpo e território. “O sangue, cor primeira da existência, ocupa o centro da composição como expressão de força, resistência e continuidade. Ele marca o início da vida, mas também o luto, a luta e os laços herdados entre gerações”, ressalta DoneS.
Artista indígena DoneS'Aunuru apresenta a obra "Cores de sangue e terra: Ancestralidade em camadas"
O Terminal de Ônibus Urbano José Campanha Wanderley, localizado no centro da capital de Roraima, também ganhou uma obra pública, um trabalho desenvolvido pela artista Julieth Giovanna. A obra “Cabeça de guia” é uma instalação que reúne técnicas mistas de pintura, tintas orgânicas e escultura, explica a artista.
“Cabeça que guia” é baseada na obra “Guia” (pintura já existente, de autoria de Julieth), que surge de vivências espirituais e ritualísticas de consagração da medicina da floresta. “Minha obra representa o contato com o mundo espiritual, em especial seres da floresta que carregam elementos que encontro nas religiões de matriz africana e na fé indígena. Através da consagração da medicina da floresta e estudos esotéricos, é como uma imagem que gera reflexão e conexão com os povos de terreiro e espiritualistas”, informa a artista.
Julieth atua nas artes visuais, na moda e na produção cultural. Criadora da marca Babetrash, do Studio Furtakor (@furtakorr), e integrante de iniciativas como o coletivo Kabokada, ela compartilha suas experiências como recurso poético.
Artista Jullieth Giovanna executou em Roraima a obra "Cabeça de Guia", instalação que reúne técnicas mistas
Natural do município roraimense de Uiramutã, o artista indígena do povo patamona Isaías Miliano apresenta a obra “Mutação: Do ventre das águas ao peixe de metal”, um alerta para a contaminação dos rios amazônicos por mercúrio, metal pesado utilizado no garimpo ilegal que ameaça os ecossistemas e o modo de vida tradicional. A obra de Isaías foi instalada no Centro Anikê, da Universidade Federal de Roraima (UFRR), cedido ao Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena para a realização de projetos acadêmicos.
Segundo Isaías, que trabalha há mais de três décadas com arte plástica contemporânea, as obras convidam o público a enxergar “um ciclo invisível”. “Ao consumir os peixes de metal, nos tornamos metal também. O metal que sangra dos rios e habita os peixes atravessa nossos corpos e ameaça a memória dos povos que sempre guardaram a floresta”, assinala.
Artista Isaías Miliano executou em Roraima a obra "Mutação: Do ventre das águas ao paixe de metal"
Já a artista plástica Daya Roraima, professora de Artes Visuais da Universidade Federal de Roraima (UFRR), ocupa a Praça do Centro Cívico, local onde fica localizado o Palácio do Governo de Roraima, com a obra “Guardiã dos saberes da Koko'Non”, escultura em cerâmica inspirada nas mestras ceramistas do povo originário macuxi, que utilizam o barro para a fabricação de panelas.
Segundo Daya, a peça resgata os conhecimentos e regras para a produção cerâmica do povo macuxi, além de refletir sobre os rituais que envolvem todo o processo desse fazer ancestral.
Artista plástica Daya Roraima, professora de Artes Visuais da Universidade Federal de Roraima, ocupa a Praça do Centro Cívico com a obra “Guardiã dos saberes da Koko'Non”
A itinerância da Bienal das Amazônias amplia o protagonismo do cenário artístico e cultural das Amazônias, destaca Vânia Leal, curadora e diretora de Projetos Especiais da Bienal. “Para nós, a itinerância abre debates aproximados e atravessa territórios”, afirma.
Vânia Leal informa que Boa Vista é a primeira capital da Amazônia Brasileira a receber o Programa de Obras Públicas. “Cada Estado da Amazônia brasileira vai receber obras públicas com artistas locais que não estavam na primeira edição da Bienal, mas que passam a integrar o programa Bienal. Ter artistas locais abre caminhos de comunhão com arte, política e diálogo”, observa.
Segundo a curadora, os trabalhos inaugurados envolvem várias linguagens artísticas - escultura em cerâmica, pintura e muralismo -, e democratizam o acesso à cultura com a transformação do espaço urbano. “Os trabalhos dialogam com conceitos atuais, numa perspectiva crítica, mas também afetiva e ancestral. Fizemos uma leitura de portfólio e eu considero as obras dos quatro artistas selecionados muito significativas no que se refere às questões que reivindicam lugares de pautas necessárias. São quatro artistas que ecoam a voz de dentro da floresta. Estou muito satisfeita por trazer essa discussão para o contexto da Bienal das Amazônias”, pontua.
Curadora Vânia Leal explica importância das obras públicas para a cidade de Boa Vista
As obras públicas consolidam a proposta da Bienal das Amazônias de pensar a região com todas as suas complexidades e abraçar as comunidades, tendo como propósito a transformação social por meio da arte. Para Lívia Condurú, presidente do Instituto Bienal das Amazônias, uma das funções da Bienal é aplicar uma pedagogia da experiência, com inclusão e acessibilidade, e levar a arte das Amazônias a diferentes ambientes e espaços da imensidão da floresta. “Nós, amazônidas, estamos falando por nós, para os nossos e para o mundo. A Bienal tem uma representatividade artística no território brasileiro da arte e provoca o diálogo com a cidade, com os artistas locais, com os agentes culturais”, destaca.
A Bienal já passou por Marabá (PA), Canaã dos Carajás (PA) e São Luís (MA). Além das intervenções urbanas, as cidades que compõem a rota da itinerância recebem um recorte da 1ª edição da Bienal das Amazônias, que ocorreu em Belém entre agosto e novembro de 2023.
Fotos: Shanti
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